4 de setembro de 2014

O PERIGO DA “IMUNIDADE CIENTÍFICA” DE CERTOS ESTUDIOSOS PARA A CONSERVAÇÃO DO PATRIMÓNIO NATURAL DOS AÇORES

 Porque já nos vimos envolvidos em acesas lutas cívicas deste teor, embora de outra natureza, dentro da nossa missão ativista de conservação do património natural “in situ” (felizmente já sanadas pela saída de legislação e compreensão das partes), bebo plenamente da preocupação e indignação do colega de causas comuns Paulo Araújo, expostas e apresentadas no artigo abaixo. 
O título do texto -- “A vida por uma foto”--, bem expressa a falta de sensibilidade, de responsabilidade e deontologia de certos estudiosos/investigadores que, sob a capa da “imunidade científica” ou interesse científico, não tem pejo em sacrificar elementos singulares do nosso património natural, tão só, em prol do seu egocêntrico brilho académico.
-
“A VIDA POR UMA FOTO” - 
-
Ceradenia jungermanioides (Klotzsch) Bishop
No afã mais ou menos científico de tudo conhecer, colectar e classificar, e amiúde com o pretexto de ajudar a definir medidas de conservação que raramente são postas em prática, os botânicos profissionais (e alguns amadores convencidos da sua própria importância) podem causar danos irreparáveis. A história deste feto nos Açores ilustra exemplarmente como a pulsão de possuir, herborizar, coleccionar ou tão só fotografar pode ser cega e destrutiva. Corria a Primavera de 1973 quando ele foi pela primeira vez observado nos Açores, algures nas musgosas florestas do Pico, pelos botânicos alemães Helga Rasbach e Kurt Rasbach. Dada a necessidade de colher uma amostra para posterior estudo e identificação, e sabendo que o reconhecimento de uma espécie como parte da flora de uma região exigia (ainda exige, segundo alguns) que se depositasse uma planta completa num herbário, os Rasbach não tiveram dúvidas (e, no lugar deles, poucos botânicos teriam) em colher o único exemplar que encontraram. Ao mesmo tempo que a flora açoriana era oficialmente enriquecida com uma nova espécie, o próprio acto que permitiu oficializar a novidade poderia ter provocado (ou apressado) a sua extinção no arquipélago. Assim terá parecido durante quase 20 anos, até que em 1991 outros botânicos reencontraram a Ceradenia jungermanioides no Pico, e em 2010 Hanno Schäfer a descobriu nas Flores e na Terceira. No mesmo ano, também nas Flores, Schäfer encontrou um feto epífito da mesma família que se revelou endémico dos Açores e ficou a chamar-se Grammitis azorica.

Os géneros Grammitis e Ceradenia distribuem-se predominantemente pela América tropical, e a C. jungermanioides, que ocorre desde o sul do México até à mata atlântica do Brasil, chegou talvez aos Açores por via caribenha, colonizando as ilhas através de esporos trazidos pelo vento. Cada planta é composta por um rizoma curto de onde saem numerosas frondes pendentes e lineares com 3 a 8 cm de comprimento; os soros, que são circulares e sem indúsio, dispõem-se em duas fiadas paralelas no verso de cada fronde. Embora elas possam secar e cair durante o Verão, o número de frondes por planta aparenta ser proporcional à idade; Schäfer, que encontrou plantas com mais de 100 frondes, conjecturou mesmo que o seu número corresponde aproximadamente aos anos de vida da planta.

Ceradenia jungermanioides (Klotzsch) Bishop
 Mas mesmo essas plantas tão prolíferas são, pela sua pequenez, difíceis de detectar entre os musgos e líquenes que revestem espessamente os troncos dos juníperos e azevinhos onde elas costumam encavalitar-se. E, no que a fetos diz respeito, estes dois da família Gramittidaceae são singularmente morosos e incompetentes a reproduzirem-se. Com (muita) sorte e empenho encontram-se plantas isoladas, mas nunca populações significativas. O número total de indivíduos de C. jungermanioides nas Flores rondará as dezenas, no Pico chegará talvez às centenas. Tendo em conta a super-abundância de habitats favoráveis (cada um dos muitos milhares dos juníperos e azevinhos das florestas húmidas dessas ilhas é um poleiro possível), e a fraca acessibilidade de muitos deles, mergulhados em almofadões de Sphagnum ou rodeados por floresta densa, encontrar um único destes fetos é já uma proeza considerável. E, uma vez encontrado, devemos respeitá-lo, pois, seja qual for a razão invocada, é indigno destruir uma planta raríssima que levou anos de vida paciente e silenciosa a formar-se.

  a Mas esse código ético nem sempre é acatado por quem faz da botânica o seu hobby ou profissão. Alguns porque consideram que, mais do que a conservação de uma espécie em perigo (que aliás as autoridades locais pouco fazem para proteger), importa que o herbário da instituição em que trabalham ou o seu próprio herbário pessoal guardem colecções tão completas quanto possível. Se todos os herbários importantes, europeus e americanos, quiserem (como alguns quiseram) os seus exemplares açorianos de Grammitis e Ceradenia, as duas espécies, únicas da sua família na flora europeia, ficarão a um passo da extinção. Mas há pior: há quem faça tudo por uma fotografia. O que está nesta página (veja a foto ao fundo), de um francês com fracas luzes de geografia (os Açores são na Madeira?!) que em França respeita todas as normas mas acha que as ilhas atlânticas são o faroeste, é de uma sacanice repugnante.

P.S. O autor da foto comprometedora, Benoit Bock, já a retirou da página. Isso não vai salvar as cinco plantas que ele criminosamente sacrificou por um motivo mais que fútil. Para que conste, fica guardada cópia neste endereço.

Texto de: Paulo V. Araújo, 2/9/2014
In: Blog:  "Dias com árvores"

1 comentário:

  1. The 888sport Casino Review 2021 - Mapyro
    Discover a complete 문경 출장안마 review of 강원도 출장샵 The 888sport Casino in Las Vegas, Nevada. 창원 출장안마 성남 출장샵 The 천안 출장마사지 888sport Casino is a full-service casino with sportsbook,

    ResponderEliminar