A NOSSA TRISTEZA E O “DEFINHAR” DE UMA COMUNIDADE
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No dia 19 de Setembro vai iniciar-se mais um ano letivo, mas a prestigiada Escola “Sol Nascente”, não abrirá portas aos alunos, tendo sido ditado o seu encerramento por parte da Direção Regional da Educação, 46 anos depois da sua inauguração, e 158 anos após criação do “ensino primário” na freguesia de Santa Bárbara.
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Embora compreendendo os pressupostos da decisão, nesta altura de grande consternaçao para a comunidade de Santa Bárbara, bebo do mesmo sentir e pesar, pela ligação afetiva dos 23 anos que passei lá a trabalhar, mas também por reconhecer o valor simbólico e real que uma uma escola representa numa freguesia rural.
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----Comecei a trabalhar em Santa Bárbara , no ano letivo de 1986/87, com apenas 21 anos de idade, tendo lá passado os melhores anos da minha idade jovem-adulta e me desenvolvido e amadurecido como docente, sempre numa relação estreita com a comunidade, que via na sua escola uma referência nuclear da localidade, sentindo-a como simbolo de esperança e de futuro.
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Nesse tempo, a escola sempre associou à atividade letiva diversos projetos extra-curriculares de estudo, valorização e promoção das riquezas patrimoniais e ambientais do meio envolvente, fazendo de toda a freguesia “sala de aula”, constituindo-se como um pólo contributivo importante para a projeção de Santa Bárbara na ilha e nos Açores, assim como para a criação de dinâmicas locais.
"Reutilizar e Reciclar" - 1º Prémio - Carnaval 1999 |
A Escola de Santa Bárbara também foi espaço de formação, valorização pessoal e de criação de auto-estima não só dos seus alunos, mas também da comunidade, que paticipava nos projetos de educação ambiental, nas exposições, palestras temáticas, entre outras atividades. Reciprocamente, a escola recebia os artesãos, músicos e cozinheiras antigas para apresentarem e ensinarem os seus trabalhos, tendo aberto também espaço aos idosos, para partilharem as suas experiências.
Esta Escola, onde mais de duas décadas lecionei largas de dezenas de alunos e seus filhos, marcou-se como um referencial de dinâmicas pedagógicas, culturais e sociais, traduzidas, resumidamente, em iniciativas, projetos, prémios e eventos tais como:
- Criou, em 1991, do CADEP-CN (Clube dos Amigos e Defensores do Património-Cultural e Natural), que atualmente é sócio coletivo da Associação Regional, “Amigos dos Açores”; tendo-se afirmado aos longo dos anos como a organiação mais ativa e atuante na defesa das questões ambientais da ilha;
- Em parceria com a Casa do Povo esteve na criação de um grupo folclórico infanto-juvenil da freguesia;
- Organizou 13 marchas de S.João;
- Venceu seis prémios em corsos de Carnaval, previligiando sempre temáticas ligadas ao património, vivências culturais de Santa Maria e ambiente;
- Venceu o Concurso Nacional de Artes e Ofícios Tradicionais, entre 593 escolas de todos o país;
- Desenvolveu o projeto de revitalização das cores tradicionais das freguesias, pintando as vistas dos chafarizes, pontes e de algumas casas rurais;
- Venceu o Concurso Regional de Jornais Escolares, por três vezes;
Projeto "Revitalização das cores tradicionais" Alunos pintam uma casa rural e provovem a cor da freguesia - |
- Venceu quatro concursos regionais ligados ao ambiente e ao património, nomeadamente “Espécies endémicas dos Açores”; “Chafarizes, um património a proteger”; “Profissões antigas da nossa terra” e “ O carro de bois”;
- Participou no programa Eco-escolas durante seis anos;
- Através do CADEP-CN, iniciou a Campanha SOS-Cagarro em Sta Maria em 1994;
"Cagarro" defendido em campanha e em ação pelo CADEP-CN, desde 1994 |
- Através do CADEP-CN, foi pioneira na organização de Percursos Pedestres através de trilhos antigos, desde 1987;
- Foi a sede do Projeto “Itinerários Ambientais”, tendo concebido dois percursos pedestres, que foram homologados pela DRT;
- No âmbito do projeto “Figuras ilustres da Ilha”, trouxe à escola o Bispo D.António de Sousa Braga, o escritor Adriano Ferreira, os Senhores José de Sousa e Manuel Chaves Carvalho, a poetisa Madalena Férin, o naturalista Dalbetto Pombo, o cientista José Batista, entre outras;
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Projeto "Artesãos ao vivo" - Senhora Ana Fontes |
- Promoveu campanhas de poupança de água e de energia na comunidade;
- Promoveu campanhas anti-tabágicas e anti-álcool na comunidade;
- Promoveu diversas exposições sobre o património da localidade e ambiente, no decorrer das festas da localidade;
- Foi alvo da atenção do programa da RTP-Açores “Bom dia”, realizado na própria escola, incidindo sobre os seus projetos e o património da freguesia de Sta Bárbara;
- Criou de um mini-museu etnográfico, que teve a visita de todas as escolas da ilha, de inúmeros turístas e marienses em geral;
D.António Sousa Braga visitou o museu do CADEP-CN |
- Participou no programa da RDP-Açores, de João Gago da Câmara, sobre cultura popular dos Açores;
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- Organizou limpeza de ribeiras e do litoral marinho, envolvendo a comunidade;
- Foi palco, por duas vezes, das comemorações do Dia Mundial do Ambiente nos Açores, por solicitação do Governo Regional, presidido então por Mota Amaral e Madruga da Costa;
Presidente Carlos César com alunos do CADEP-CN - |
- Através do CADEP-CN , foi coordenadora da Campanha Bandeira Azul da Europa para as praias de Sta Maria, durante 12 anos;
- Foi parceira de intercâmbios com escolas de S.Miguel, Graciosa e Harrington Scholl dos Estados Unidos da América;
- Publicou na comunicação social, através do CADEP-CN, vários trabalhos sobre o património cultural e natural de Santa Maria e de Sta Bárbara em particular.
Como se depreende pelo exposto, uma escola não é só um edifício nem um espaço que se cinge unicamente à instrução/educação de alunos, balizada na relação professor-aluno, acabando aí a sua “missão social”.
Evidenciou a Escola “Sol Nascente”, ao longo dos anos, que um espaço educativo (escola) poderá potenciar-se como marco cultural de uma localidade; como veículo de afirmação e de expressão da sua identidade; como promotor de dinâmicas sociais, e até como fonte de orgulho e de auto-estima (como foi a “Sol Nascente)), devendo-se, nesse desiderato previligiar-se a sua contextualização, numa relação de proximidade física e cultural com as suas gentes.
Só tomando a escola nesse sentido lato e mantendo-a intrincada nas comunidades locais, poderá singrar, sem saltar passos, um verdadeiro currículo regional, que começa no estudo, valorização e ação no meio local (onde vive a criança), alargando-se posteriormente à ilha, à região, ao país...
A ESCOLA NÃO É SÓ UM EDIFÍCIO NEM UM MERO SERVIÇO PÚBLICO
A escola não é um mero serviço público qualquer que existe numa freguesia para maior comodidade da pessoas, como se de uma estação de correios se tratasse, podendo o “serviço” ser feito da mesma forma lá em baixo na vila ou na cidade.
É muito, muito mais do que isso!
A escola em qualquer lugar, e fundamentalmente num espaço rural, constirtui a “seiva” de uma comunidade, sendo o espaço por excelência da afirmação dos seus valores identitários; espaço onde população encontra o “viveiro” do seu futuro, diria mesmo é o “espaço vital”, o “verdadeiro sol da comunidade”, onde reside o futuro e a esperança.
Por outras palavras, a perda de uma escola numa localidade, não é só um edifício que se fecha, representa a “perda” de tudo o que acima foi dito (e tal não tem preço), e em consequência o “definhar” lento da sua comunidade, que gradativamente verá vincar a sua “terceira idade”... o seu despovoamento.
Uma das comemoração dos Dia do Ambiente com o GRA Quem consegue descobrir onde está o Senhor Pombo? |
Reafirmo que, “Não obstante compreender o pressupostos pedagógicos que levaram ao encerramento da Escola “Sol Nascente”, face à realidade vigente de ter menos de dez alunos no 1º Ciclo”, o que não compreendo é a falta de atenção, de investimento e de incentivos --de uma estratégia global e integrada--, para o repovoamento e revitalização das freguesias rurais, que são os verdadeiros espaços representativos dos “Açores profundos”, da identidade Açorica, e até onde residem as suas maiores riquezas e belezas naturais e patrimoniais.
Há que arrepiar caminhos e encetar políticas reais e consequentes nesse desiderato por parte da Câmara Municipal e Governo, sob pena de se desertificar as nossas belas freguesias, perder a “alma dos Açores” que lhes está associada, reduzindo-as a “redutos de velhos”, ansiosos pela visita dos filhos que partiram, até um dia...
O “definhar” das freguesias rurais e das ilhas pequenas como Santa Maria, à semelhança do que se passa no interior do Continente, em resultado da secundarização política, falta de planos específicos de desenvolvimento e de investimentos públicos nesses espaços, ao constituirem um “grave problema nacional”, espera-se que, o Presidente da Républica se pronuncie sobre o assunto, aquando da sua visita a Santa Maria.
Se assim o fizer, pelo menos já terá valido alguma coisa a sua vinda!
UMA DECISÃO CLARAVIDENTE E ACERTADA
Não sendo entendimento da DRE, seguir o cenário recomendado na Carta Escolar, de fazer a junção das duas escolas da “serra”, em virtude da Escola de Santo Espírito apresentar, ainda, númerto de alunos que viabilizam a sua abertura, e não possuir esta condições espaciais nem logísticas, para receber os alunos de Santa Bárbara, impunha-se um cenário alternativo, que assentasse na máxima do “maior benefício”.
Reconhecendo que o encerramento de uma escola numa freguesia rural acarreta o “definhar” de uma comunidade, afetando-a psicologicamente, ao mesmo tempo que perde um pólo vivo de difusão de cultura e motor de dinâmicas locais, perante a “inevitabilidade” do fecho da Escola Sol Nascente, em boa hora, o senhor Presidente do Conselho Executivo, acoplou os alunos daquela freguesia à Escola de Almagreira, salvando-a do mesmo triste destino, a breve trecho.
Parafraseando o dito popular “Pior do que uma perna partida, são duas pernas partidas”, impedido de evitar um “mal”, com esta decisão, o Conselho Executivo, evitou dois, porquanto, no cenário atual de decréscimo de alunos, a freguesia de Almagreira, dentro de 2 ou 3 anos, teria a sua escola também encerrada.
A LIGAÇÃO COM SANTA BÁRBARA PERMANECERÁ ESTREITA
Consumada esta claravidente decisão de interesse coletivo, e tendo em conta a importância da relação/proximidade dos alunos com a comunidade onde vivem, foi elaborado um Plano Anual de Atividades, que contempla projetos a desenvolver na freguesia de Santa Bárbara, incidentes sobre o seu património e valores identitários.
No mesmo desiderato, a proximidade dos alunos de Santa Bárbara ao seu meio envolvente, será ainda fortalecida, através do CADEP-CN, que manterá naquela freguesia a sua sede, e desenvolverá actividades no seu “atelier” de ambiente e numa sala da Escola “Sol Nascente”, que lhe será atribuida.
Minha primeira turma em Santa Bárbara. Alguém identifica o atual presidente da junta de freguesia? |
Nesta altura do “Por-do-sol” na Escola “Sol Nascente”, bebo do luto coletivo e da consternação que sente a comunidade de Santa Bárbara, aproveitando o ensejo para agradecer o respeito, carinho e reconhecimento que sempre demostrou a sua simpática população, durante os 23 anos que com ela convivi e aprendi.
Um abraço especial a todos os meus antigos alunos, sendo uma honra a modesta contribuição que dei para serem os homens e mulheres que são hoje, em termos de instrução, educação e formação de cidadãos ecológicos.
Sinto muito orgulho em ter sido o docente que mais anos trabalhou naquela freguesia, e, não obstante ter saído por força das circunstâncias, será sempre uma freguesia que aportarei no coração e me manterei sempre ligado.
Ao longo do ano letivo, irei publicando no NATURMARIENSE (espaço online do CADEP-CN), trabalhos e fotografias que materão viva a memória da Escola “Sol Nascente”.
“Depois de um pôr-do-sol, vem sempre um novo dia”, ficando na esperança de que , num futuro próximo a escola de Santa Bárbara, volte a ser um “Sol Nascente” na freguesia mais Oriental dos Açores.
* José Andrade Melo
Docente e Coordenador do CADEP-CN
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