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3 de fevereiro de 2013

DIREITOS DOS ANIMAIS: "PERSPETIVA ÉTICA E JURÍDICA"

Entrevista a  Orsulya Vargas, catedrática do Instituto de Biologia Molecular e Celular com background em medicina e direito, sendo especialista sobre ética e teor jurídico em temas ligados ao direitos e bem-estar dos animais.
(Extrato da entrevistas com alguns cortes)

A.O.: Orsulya, antes de mais podias explicar-nos o que é um direito legal? 

 Orsulya Vargas: A resposta é fácil: direitos legais são aqueles que existem sob as regras de sistemas legais. O nosso sistema legal é baseado no entendimento de direitos e responsabilidades legais das pessoas. A existência de direitos legalmente consagrados não é recente, do ponto de vista histórico. Por exemplo, o sistema legal romano clarificava quem tinha o direito legal de passar leis, quem podia julgar casos, quais os direitos dos cidadãos, ou das mulheres. Escravos não tinham direitos consagrados e que pudessem reivindicar, nem direitos baseados na cidadania. 

Na legislação contemporânea a palavra-chave é o conceito de pessoa. Apenas uma pessoa, com personalidade jurídica, tem direitos e responsabilidades consagradas na lei. O conceito de pessoa foi a questão central durante a abolição da escravatura e a luta pelos direitos das mulheres, estando a personalidade jurídica do feto no centro do debate atual. Há hoje muita discussão em torno dos direitos do feto e direito à reprodução. Uma questão alargada que se coloca na sociedade moderna é a dos direitos dos animais, pois a civilidade exige que a palavra-chave passe a ser o conceito de “vida” tomando os seres humanos e não humanos, pela mesma condição biológica. 

Há ainda algo que queria acrescentar. As leis naturais são diferentes dos direitos legais. Os direitos naturais são universais e inalienáveis, e não dependem de contingências da lei, sendo independentes de qualquer governo nacional ou internacional. Os direitos humanos são considerados direitos naturais. Os humanos nascem livres e iguais entre si.  

AO: Muitos comentadores têm a este respeito declarado que os animais não têm direitos, quase como se isso fosse um fato indiscutível. Há assim duas questões de fundo, que convém considerar separadamente. Primeiramente, do ponto de vista da teoria legal, podem os animais ter direitos, poderão ser entidades detentoras de direitos?  

OV: Muitos crêem que sim, outros não. Outros ainda consideram que a personalidade jurídica apenas deveria ser atribuída a alguns animais em particular. A principal questão aqui é que na visão tradicional os animais são propriedade humana. Esta abordagem deverá ser rejeitada pela reclamação de uma mudança para um paradigma não-antropocêntrico. Esta nova abordagem moderna e exível pela ética humana implica uma mudança fundamental nas relações entre humanos e animais, e afeta radicalmente o modo como são tratados.

Mas para responder à tua questão: sim, tecnicamente, os animais poderão e deverão ter direitos, num sentido limitado, mais isso terá de ser mais trabalhado do ponto de vista técnico. 

Mas a extensão do conceito de pessoa a todos os animais colhe o apoio de muitos académicos. A teoria tradicional em direitos dos animais do filósofo Tom Regan assenta fundamentalmente no interesse que estes têm em evitar o sofrimento. Seguindo esta mesma linha, o jurista Gary Francione argumenta simplesmente que os animais requerem um só direito: o de não serem considerados e tratados como propriedade, ou objetos, mas como vidas. 

Para além da existente Declaração Universal dos Direitos dos Animais, que existe como referência ética, uma forte campanha para uma lei ‘universal’ para os animais tem vindo a ser promovida pelo Animal Legal Defense Fund. A iniciativa deste influente grupo é a Animal Bill of Rights, que pretende conferir direitos naturais aos animais. Esta proposta de legislação, apresentada numa petição dirigida ao Congresso dos EUA, pretende proteger os animais, reconhecer que são seres sencientes, e atribuir-lhes direitos legais na sociedade humana.  

Um outro exemplo é o Nonhuman Rights Project, que tem procurado que seja reconhecido o estatuto de pessoa a certos animais, uma vez que apenas um ser dotado de personalidade jurídica poderá ser detentor de quaisquer direitos legais. Ainda que o projecto seja nos Estados Unidos, e com base na common law, o resultado terá impacto como mensagem universal. Uma conceituada equipa de advogados têm preparado o processo para apresentar já em 2013. Esperemos um bom veredito. 

Acrescento que Steven Wise, o presidente do Nonhuman Rights Project, é um jurista muito influente na área do direito animal. Ele argumenta em ‘Drawing the line’ que alguns animais, e em particular os primatas, atingem os requisitos necessários para terem personalidade jurídica, e dever-se-ia por isso atribuir certos direitos e protecção, alargados aos outros animais sencientes.  

Mas gostaria ainda de dar mais um exemplo interessante de uma iniciativa legal deste género. A teoria de cidadania de Kymlicka (‘Zoopolis: A Political Theory on Animal’) divide os animais em três categorias: animais domésticos, que basicamente inclui os animais de companhia e os criados na agro-pecuária; animais selvagens; e animais que estão no limiar entre os dois grupos anteriores, como os pombos, esquilos e outros adaptados a uma vida entre os humanos, ainda que não estejam sob o seu cuidado directo. Cada diferente relação humano-animal irá pressupor implicações legais distintas. Animais domésticos seriam assim cidadãos, animais selvagens teriam soberania e animais-charneira seriam tratados como cidadãos. A parte mais importante desta sugestão é que os animais domésticos teriam o direito prima facie de partilhar espaços públicos. 

OV: As actuais leis relativas aos animais tomam a perspectiva do bem-estar, e regulam usos específicos de animais. A maior parte das leis nacionais apenas reconhece personalidade jurídica aos humanos, sendo os animais propriedade. Em contraste com a abordagem do bem-estar, vários países têm adotado leis que contêm elementos de direitos legais dos animais, como o direito à vida e combate à tortura. Assim, os direitos dos animais existem de fato na legislação nacional de alguns países, mas não de modo sistemático, pois não refletem os direitos humanos. Um exemplo bem conhecido é o dos direitos conferidos aos grandes primatas em Espanha, e que incluem o direito à vida, a proteção da liberdade individual e a proibição da tortura. 

Como salientei, há uma grande diferença entre estes direitos dos animais e direitos humanos básicos. Os direitos humanos estão incorporados no sistema legal, mas também diferem em ‘profundidade’. Os direitos dos animais são referentes a necessidades biológicas: direito à liberdade, proteção contra tortura, direito ao acesso a recursos naturais, bem-estar etc. Os direitos fundamentais dos humanos são muito mais complexos: direito à privacidade, direito a uma nacionalidade, direito a ter família, de possuir propriedade, de livre expressão, de segurança, de ser considerado inocente até prova em contrário, de ser reconhecido como uma pessoa, direito ao trabalho, etc.  

AO: Parece-me que aquilo de que falaste aqui é mais se os animais têm ou não protecção legal, mas não tanto se têm ou não direitos. Ou ambas são a mesma coisa, de um ponto de vista jurídico?  

OV: A proteção aos animais e os direitos dos animais sobrepõem-se bastante, nalguns aspetos. Muitos consideram que as leis anti-crueldade reconhecem direitos porque os animais são protegidos pelo seu valor intrínseco e não pela perda financeira que a sua perda possa significar para os seus donos, por exemplo. Os animais são protegidos nas atuais leis anti-crueldade porque são seres sencientes, sendo claramente capazes de sofrimento e felicidade. Mas estas leis, ainda insípidas, não constituem reconhecimento claro de direitos porque não clarificam o estatuto legal dos animais. Para que reconhecimento legal dos animais seja semelhante ao dos humanos, os animais deverão ser considerados como personalidades jurídicas. Mas os direitos são um tema, ainda, controverso na lei relativa aos animais, havendo, no entanto, fortes iniciativas para adaptar o estatuto legal dos animais às leis para os humanos.

Fonte: “Direitos para todos os animais”

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