Desde há anos a esta parte, que o CADEP-CN e os A.Açores, vêm denunciando junto da SRAM a extração excessiva e sem controlo do tesouro fossilífero de Santa Maria, a coberto de estudos científicos.
Felizmente que a sociedade civil e as forças políticas preocupadas com os interesses de Santa Maria foram despertadas e se associaram a estas lutas, tendo recentemente um Movimento de cidadãos de Santo Espírito, sob nosso incentivo e da Junta de Freguesia, levado à ALRA uma petição, na senda do que vínhamos defendendo há muito, tendo também um grupo político, na decorrência dessas preocupações associativa e cívicas, apresentado uma proposta legislativa, com base textual nas reivindicações apresentadas.
Através do link abaixo, podem ver um leque de fotos que comprovam as práticas delapidatórias que temos vindo a denunciar, perpetradas no ano passado, as quais foram alertadas à SRAM e na comunicação social, a fim de serem combatidas e elaborada legislação específica disciplinadora.
No dia seguinte à ocorrência, junto com as fotos, apresentámos a seguinte denúncia e solicitação de um museu dos fósseis local, ao Senhor Secretário Regional do Ambiente e do Mar:
CARO SENHOR
SECRETÁRIO REGIONAL DO AMBIENTE E DO MAR
DR. ÁLAMO DE MENESES
17-07-2010
Assunto: URGENTE: Extracção escessiva de fósseis na jazida da Pedra-que-pica, sem sem controlo oficial
Vimos comunicar a V.Exa, com profundo lamento, que ontem, dia 16 de Julho, na Jazida Fóssil da Pedra-que-pica, no âmbito do Workshop Internacional “Paleontologia nas ilhas Atlânticas, aconteceu mais uma investida desregrada e sem controlo, de remoção e destruição de vários fósseis, como já anteriormente os Amigos dos Açores tinham dado conhecimento a V.Exa, que vinha ocorrendo, ao longo dos anos de forma mais ou menos intensiva.
Esta indignação e incompreensão perante estas práticas sem regras, insustentáveis e reiteradas, incidentes num património único, situado numa área protegida de excelência já nos é expressa por muitos marienses, que são conhecedores do “tesouro” que são os seu fósseis, tendo chegado queixas de vivo repúdio aos deputados regionais do PS aqui na ilha, e da Junta de Freguesia de Santo Espírito que nos contactou a solicitar a nossa intervenção.
O que aconteceu ontem, teve uma feição de “frente de exploração de inertes”, na qual cerca de uma dúzia de estudiosos, munidos de martelos, escopos e rebarbadoras, destroçavam e trucidavam dezenas de fósseis incrustados nos sedimentos, para removerem aqueles que mais lhes “enchia o olho”, sem se ter vislumbrado critérios ou justificação científica sólida que justificassem aquelas remoções, perante o Parque Natural de Ilha, que estranhamente não dispunha ninguém no local.
Como pode observar pelas várias fotos anexas, bastante elucidativas e claras, são constatáveis as “frente de extracção”, em jeito de socalco e abertura de “crateras”, para descobrirem e isolarem alguns fósseis que estavam em profundidade, ficando a camada superficial praticamente estilhaçada, sendo este o cenário que restará para ser “vendido” aos nossos visitantes.
A prática assemelha-se a uma “escavação arqueológica”, em que vão partindo e removendo as camadas de cima para porem a descoberto e soltarem, as “novidades de interesse”, recolhendo-as de seguida, com a agravante de as levarem consigo, sem qualquer controlo de saída nem garantias de retorno.
Do que que fica, muito deixam partido, para levarem inteiro o que querem.
Agradecia ao Senhor Secretário, o favor de abrir as fotos, facultando a sua ampliação, para melhor ver do que falámos.
Não descortinamos aqui investigação assente no binómio “ciência e sustentabilidade”, tendo em conta a conservação deste património único nos Açores e de grande relevância no Atlântico Norte, que só constituirá uma mais-valia económica para Santa Maria, pela sua singularidade, se mantiver a atractividade da sua paisagem/configuração fossilífera superficial para merecer a observação dos visitantes.
Certamente que o Senhor Secretário beberá do nosso repúdio, porquanto, suas palavras proferidas, justamente ontem, na abertura IV Congresso de Gestão da Natureza, contrariam literalmente o que aqui denunciámos, ao expressar que “é impossível falar-se em desenvolvimento sustentado sem se falar em ambiente e economia” e que “as questões de sustentabilidade ambiental são fulcrais, dependendo o desenvolvimento económico sustentável da Região estritamente da conservação da natureza”. Sem dúvida que igualmente antagoniza a destruição protagonizada na Pedra-que-pica, quando diz que o turismo tido como um dos três pilares de desenvolvimento da Região, “deve ser um sector voltado para o ambiente, para as caminhadas, para a observação, tendo como pano de fundo a paisagem(…)”.
Que “observação” vão ter os turistas de qualidade, ou grupos que visitarem aquela jazida, com fins pedagógico-didácticos, ao verem um amontoado de cacos de conchas e pedras picadas a cobrir a superfície daquela formação geológica, que outrora era um tapete deslumbrante coberto de fósseis intactos?
Que compreensões poderão ter os pescadores de recreio de Santa Maria, e os visitantes que pretendem conhecer e fotografar o local, perante as restrições de acesso que lhes são pedidas, se eles próprios sabem destas remoções de fósseis, feitas de “rédea livre”, por parte daqueles que deveriam dar o exemplo?
Ficamos deveras muito pesarosos e bebemos do repúdio e incompreensão manifestados pelos marienses que nos contactaram e Junta de Freguesia de Santo Espírito, para com estas práticas de apropriação de património singular dos Açores, que nos foram testemunhadas e registadas por pessoas próximas dos AA e daquela autarquia.
Como dissemos acima, estas preocupações, já de longa data, foram colocadas e reforçadas a V.Exa, na reunião que tivemos em Abril, tendo merecido a sua compreensão, concordância e compromisso de acção em conformidade.
Relembramos-lhe abaixo o conteúdo do texto que apresentámos a V.Exa, e que serviu de base à conversa que tivemos sobre esta questão:
“(…)tendo assistido já à retirada de muita matéria fossilífera de forma anárquica, sem normas legais de procedimentos, apelamos que se substitua cada vez mais os martelos e os escopros pela máquinas fotográficas e que se parta urgentemente para a elaboração de legislação regulamentar sobre a matéria, tendo globalmente em conta os seguintes princípios:
Só no caso de um novo fóssil descoberto, for avaliado em eminência de perigo por erosão, derrocada de rochas sobre ele, ou cientificamente for justificado às autoridades regionais de Ambiente, ser imprescindível a sua deslocação para estudos laboratoriais ou datações, deverá ser concebida a sua remoção da origem. Mesmo nestes casos pontuais, recomendamos que só os chefes de expedição deverão ser portadores de ferramentas de remoção, e quando as tiveram de utilizar nas situações acima apontadas, o fóssil deverá, obrigatoriamente, integrar o Museu dos Fósseis, que defendemos, há anos, para Santa Maria, a construir no Castelo da Praia do Calhau.
Senhor Secretário, como poder ver, pela descrição e registo fotográfico da ocorrência de ontem, em quase toda a linha, as nossas propostas escritas e outras que apresentámos oralmente, como base resumida das normas/procedimentos regulamentares, a ter em conta nas expedições científicas, com as quais se mostrou globalmente consonante, foram liminarmente contrariados, estando certos que tal também não foi do seu agrado.
Exemplos de princípios defendidos e não cumpridos:
-A remoção de fósseis só poderá ser efectuada se os mesmos forem avaliados em eminência de perigo por erosão, derrocada de rochas sobre ele, ou cientificamente for justificado às autoridades regionais de Ambiente, ser imprescindível a sua deslocação para estudos laboratoriais ou datações.
Tal não aconteceu.
- Acompanhamento no terreno de um representante do Parque Natural de Ilha, para acompanhar/fiscalizar as práticas e fazer os registos dos pedidos justificativos de remoção, a fim de os sujeitar a decisão posterior do Director, após de análise caso a caso.
Tal não aconteceu.
- O Chefe da expedição, depois de obter licença do PNI ou da DRA para remoção dos fósseis deverá ser ele a fazer a extracção ou comandar presencialmente o processo, controlando a utilização dos instrumentos.
- Algumas extracções foram feitas isoladamente.
- Depois da autorização, os fósseis removidos deverão ser devidamente registados em fichas específicas para posterior regresso a Santa Maria, após estudo laboratorial.
Tal não aconteceu, renegando o chefe da expedição este desiderato.
Perante o sucedido e o exposto, ocorrido logo no primeiro dia de campo, torna-se imperioso, e solicitamos encarecidamente a V.Exa que encete esforços no sentido de providenciar um controle oficial no terreno, e que faça chegar à expedição recomendações procedimentais em jeito de “medidas cautelares”, exigindo, nomeadamente que sejam efectuados os registos dos fósseis já removidos até então, assim como outros que eventualmente venham a ser extraídos, com o encargo obrigatório do seu regresso a Santa Maria.
Depois disso, reiteramos, nova e vincadamente a V.Exa a premente necessidade da elaboração de legislação regulamentar destas práticas, contando os AA e os marienses que tal já esteja pronta no próximo Verão, pois os fósseis de Santa Maria, não aguentarão por muito mais tempo essa carga extractiva, nem os marienses consentirão o empobrecimento crescente deste seu património singular e identitário da sua terra.
“Os fósseis de Santa Maria são um recurso não renovável e quando fora da sua jazida é como uma pérola fora do seu colar."
Quem os quiser recordar, saborear o seu valor e compreender a sua génese deverá visitar o lugar da sua formação.”
Antes de terminar sublinho que os AA nem o CADEP-CN não estão contra ninguém, e muito menos contra a realização de expedições científicas (até as defendemos), tão só, como Associação responsável e atenta, defendemos regras e princípios de sustentabilidade, em prol da salvaguarda de um património único de Santa Maria e dos Açores, que para além do seu valor intrínseco, só constituirá mais-valia turística para a ilha se continuar a existir.
Esperamos a sua melhor e urgente atenção para com a situação colocada, e aguardamos a sua resposta.
Com os melhores cumprimentos e elevada consideração
José Melo
Amigos dos Açores, e CADEP-CN Santa Maria
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