MAIS UMA PROPOSTA DE TURISMO ECO-CULTURAL
PARA
SANTA MARIA
Grutas do Figueiral, onde até ao fim da década de 60 se extraia calcário com regularidade |
A exploração do calcário, para transformação em cal e posterior uso na
“caiação” das casas fazia-se essencialmente na Ponta das Salinas em Sto
Espírito e, de forma mais intensiva, no Figueiral, em Almagreira, havendo aqui
diversas grutas, ao longo da Costa sul advindas da extração das “pedras de
cal”, como popularmente eram chamadas.
É precisamente na visitação destas grutas que propomos o começo da “Rota da Cal” de Almagreira,
começando-se com a explicação do processo mecânico de soltar os blocos calcareníticos (força
muscular, barras e cunhas de ferro ),
assim como da génese da sua formação geológica e composição.
Pedra de calcário, da qual se fazia a cal |
Sobre estas grutas refere Gaspar Fructuoso, que “Na rocha dura, se tira pedra de
que se faz muita cal na terra, a qual não há em nenhuma das outras ilhas dos
Açores (...). Tiram-se dali, na mesma pedreira, pedras de mós, de mármore, e
entre algumas destas pedras se acham pegadas cascas de mariscos, e ameijoas e
ostras...”.
O calcário mariense, resultante de rochas sedimentares com idades que podem
superar 5 MA, é de facto singular no
contexto açoriano, tratando-se, na
realidade de material carbonatado e bioclástico, contendo milhares de fósseis
de diversas espécies (algumas já extintas), que tem merecido a atenção de
aturados estudos científicos.
Manuel Leandres Bairos |
As pedras de calcário, cuja extração destas
grutas presenciei, até ao início da década de 70, com o acompanhamento
do meu tio Manuel Leandres Bairos (último capataz dessa exploração na ilha) e
dos Senhores António Araújo e José Fontes, eram transportadas nos “seirões de
vimes” colocados no dorso dos cavalos e burros, até aos lugares do Touril e
Carreira. Ficavam aí amontoadas até atingir volume suficiente para duas ou três
“fornadas”, para depois se fazer o transporte das mesmas, em carros de bois,
até aos lugares dos fornos de cal, derivando desse processo a denominação
toponímica do lugar da “Carreira”.
Algumas destas pedras eram sujeitas ao “cozimento” no forno do Figueiral e
do Touril (aqui já não me lembro) e nos fornos do Monteiro, Graça e Farroupo.
Este último era pertença do Senhor Antonino de Jorge, para quem trabalhei em
criança, nomeadamente no transporte de calcário, cozimento e posterior
“peneiramento” da cal.
Forno de cal do Touril |
Na preparação do processo de “cozimento” do calcário, exigia mãos hábeis,
como as do meu tio Manuel Leandres, na construção de uma parede com as pedras a
encostar ao contorno circular do forno, até acima da sua metade, fechando-se a
mesma em cúpula ovóide, com um fecho ternimal (fechal) semi-aberto, a “modes”
de sair o fumo, como dizia o meu familiar. Depois de efetivada esta estrutura,
era enfiar lenha pela porta do forno, em abundância, e deixá-la queimar durante
três dias e três noites ininterruptamente, a fim da pedra “ficar mais macia e
quebradiça”, no dizer de Manuel Leandres.
Pelo volume de madeira necessário a este processo, depreende-se a
preferência da localização do fornos de cal, na proximidade de matas.
Alunos do CADEP-CN caiam um casa de branco, no processo antigo e promovem as cores tradicionais das "Vistas das casas" (1990) |
No dia seguinte, após o arrefecimento das pedras, operava-se o seu desmonte
do interior do forno, e transportavam-nas para um lugar resguardado da chuva (normalmente
palheiros). Aqui alguma dela era peneirada, para quem a preferia comparar em pó
e outra era vendida mesmo em pedra, que depois de “derregada” em água servia
para caiar de alvo as belas casas rurais marienses, utilizando-se como “pincel”
o bracéu-da-rocha (Festuca Petraea).
Como nos diz Jaime de Figueiredo, no livro “Ilha de Gonçalo Velho”, “a
casa rural mariense é pequena, de linhas simples, de andar térreo, embora muito
caiada e airosa”, tendo havido mesmo uma postura antida que obrigava os
marienses a caiarem as suas casas de branco, para as tornar mais belas, fazendo
valer a existência de cal na ilha.” Tal desiderato também, defendo,
atualmente, para Sta Maria, através de posturas municipais (incorporadas ou não
no necessário Plano de Salvaguarda da Casa Rural Mariense), pois já vemos
muitas aberrações de casas pintadas de outras cores, o que atenta contra o
património e agride a magnânime paisagem rural mariense.
Emanuel ex-membro do CADEP-CN representa um caiador antigo (1998)) |
Voltando à cal, ressalte-se, ainda que ela constituiu uma importante fonte
de receita para o Município da ilha, tendo sido exportados muito moios dela
para as outras ilhas dos Açores, nomeadamente para S.Miguel, através dos
“Barcos da Vila”. Assim se refere Gaspar Frictuoso à importância económica da
cal e ao comércio da mesma. “ A ilha em também pedra de cal, e vale a
seiscentos réis o moio, pelo preço mais caro.”
“Lá vai o Sto António
Mais a Senhora da Guia
Levar para S.Miguel
Barro e cal de Sta Maria”.
A “Rota da Cal”, é um desafio
que lançamos à Câmara Municipal e particularmente à junta de Freguesia de
Almagreira, para a levar adiante, com a nossa colaboração na conceção e textos,
devendo começar-se com a urgente recuperação dos Fornos de cal, que se degradam
de ano para ano. Para além do valor intrínseco da manutenção valorização do
nosso matrimónio e preservação da memória coletiva do nosso povo, a
atratividade turística de Sta Maria está
naquilo que tem de original, de único e diferente, sendo o processo associado à
exploração e utilização da cal, uma dessas importantes diferenças.
"Povo que despreza os marcos
da sua história e não honra e respeita a sua memória coletiva, está condenado a
perder a sua alma e identidade e não será mais do que uma cópia, no
futuro”. (J.Melo)
* José Andrade Melo
CADEP-CN e Amigos dos Açores Sta Maria
Coordenador do Núcleo de Pedestrianismo e
Ambiente do Gonçalo Velho
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