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9 de fevereiro de 2014

A EXPLORAÇÃO DO CALCÁRIO E A “ROTA DA CAL” EM SANTA MARIA

 MAIS UMA PROPOSTA DE TURISMO ECO-CULTURAL
 PARA SANTA MARIA

Grutas do Figueiral, onde até ao fim da década de 60
se extraia calcário com regularidade
A exploração do calcário, para transformação em cal e posterior uso na “caiação” das casas fazia-se essencialmente na Ponta das Salinas em Sto Espírito e, de forma mais intensiva, no Figueiral, em Almagreira, havendo aqui diversas grutas, ao longo da Costa sul advindas da extração das “pedras de cal”, como popularmente eram chamadas.

É precisamente na visitação destas grutas que propomos o começo da “Rota da Cal” de Almagreira, começando-se com a explicação do processo mecânico  de soltar os blocos calcareníticos (força muscular, barras e cunhas de ferro ),  assim como da génese da sua formação geológica e composição.

Pedra de calcário, da qual se fazia a cal
Sobre estas grutas refere Gaspar Fructuoso, que “Na rocha dura, se tira pedra de que se faz muita cal na terra, a qual não há em nenhuma das outras ilhas dos Açores (...). Tiram-se dali, na mesma pedreira, pedras de mós, de mármore, e entre algumas destas pedras se acham pegadas cascas de mariscos, e ameijoas e ostras...”.

O calcário mariense, resultante de rochas sedimentares com idades que podem superar 5 MA,  é de facto singular no contexto açoriano,  tratando-se, na realidade de material carbonatado e bioclástico, contendo milhares de fósseis de diversas espécies (algumas já extintas), que tem merecido a atenção de aturados estudos científicos.

Manuel Leandres Bairos
As pedras de calcário, cuja extração destas  grutas presenciei, até ao início da década de 70, com o acompanhamento do meu tio Manuel Leandres Bairos (último capataz dessa exploração na ilha) e dos Senhores António Araújo e José Fontes, eram transportadas nos “seirões de vimes” colocados no dorso dos cavalos e burros, até aos lugares do Touril e Carreira. Ficavam aí amontoadas até atingir volume suficiente para duas ou três “fornadas”, para depois se fazer o transporte das mesmas, em carros de bois, até aos lugares dos fornos de cal, derivando desse processo a denominação toponímica do lugar da “Carreira”.

Algumas destas pedras eram sujeitas ao “cozimento” no forno do Figueiral e do Touril (aqui já não me lembro) e nos fornos do Monteiro, Graça e Farroupo. Este último era pertença do Senhor Antonino de Jorge, para quem trabalhei em criança, nomeadamente no transporte de calcário, cozimento e posterior “peneiramento” da cal.

Forno de cal do Touril
Na preparação do processo de “cozimento” do calcário, exigia mãos hábeis, como as do meu tio Manuel Leandres, na construção de uma parede com as pedras a encostar ao contorno circular do forno, até acima da sua metade, fechando-se a mesma em cúpula ovóide, com um fecho ternimal (fechal) semi-aberto, a “modes” de sair o fumo, como dizia o meu familiar. Depois de efetivada esta estrutura, era enfiar lenha pela porta do forno, em abundância, e deixá-la queimar durante três dias e três noites ininterruptamente, a fim da pedra “ficar mais macia e quebradiça”, no dizer de Manuel Leandres.

Pelo volume de madeira necessário a este processo, depreende-se a preferência da localização do fornos de cal, na proximidade de matas.

Alunos do CADEP-CN caiam um casa de branco, no processo antigo
e promovem as cores tradicionais das "Vistas das casas" (1990)
No dia seguinte, após o arrefecimento das pedras, operava-se o seu desmonte do interior do forno, e transportavam-nas para um lugar resguardado da chuva (normalmente palheiros). Aqui alguma dela era peneirada, para quem a preferia comparar em pó e outra era vendida mesmo em pedra, que depois de “derregada” em água servia para caiar de alvo as belas casas rurais marienses, utilizando-se como “pincel” o bracéu-da-rocha (Festuca Petraea).

Como nos diz Jaime de Figueiredo, no livro “Ilha de Gonçalo Velho”, “a casa rural mariense é pequena, de linhas simples, de andar térreo, embora muito caiada e airosa”, tendo havido mesmo uma postura antida que obrigava os marienses a caiarem as suas casas de branco, para as tornar mais belas, fazendo valer a existência de cal na ilha.” Tal desiderato também, defendo, atualmente, para Sta Maria, através de posturas municipais (incorporadas ou não no necessário Plano de Salvaguarda da Casa Rural Mariense), pois já vemos muitas aberrações de casas pintadas de outras cores, o que atenta contra o património e agride a magnânime paisagem rural mariense.

Emanuel ex-membro do CADEP-CN
representa um caiador antigo (1998))
Voltando à cal, ressalte-se, ainda que ela constituiu uma importante fonte de receita para o Município da ilha, tendo sido exportados muito moios dela para as outras ilhas dos Açores, nomeadamente para S.Miguel, através dos “Barcos da Vila”. Assim se refere Gaspar Frictuoso à importância económica da cal e ao comércio da mesma. “ A ilha em também pedra de cal, e vale a seiscentos réis o moio, pelo preço mais caro.”

“Lá vai o Sto António
Mais a Senhora da Guia
Levar  para S.Miguel
Barro e cal de Sta Maria”.

A “Rota da Cal”, é um desafio que lançamos à Câmara Municipal e particularmente à junta de Freguesia de Almagreira, para a levar adiante, com a nossa colaboração na conceção e textos, devendo começar-se com a urgente recuperação dos Fornos de cal, que se degradam de ano para ano. Para além do valor intrínseco da manutenção valorização do nosso matrimónio e preservação da memória coletiva do nosso povo, a atratividade  turística de Sta Maria está naquilo que tem de original, de único e diferente, sendo o processo associado à exploração e utilização da cal, uma dessas importantes diferenças.

"Povo que despreza os marcos da sua história e não honra e respeita a sua memória coletiva, está condenado a perder a sua alma e identidade e não será mais do que uma cópia, no futuro”.  (J.Melo)

* José Andrade Melo
   CADEP-CN e Amigos dos Açores Sta Maria
   Coordenador do Núcleo de Pedestrianismo e Ambiente do Gonçalo Velho



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