o grupo de pedestrianistas participantes |
No cumprimento do Projeto:”Pedestrianismo
e Ambiente de Mãos Dadas”, e
numa organização conjunta do NPA do Gonçalo Velho, do CADEP-CN e Amigos dos Açores
Sta Maria, foi testado o Percurso Pedestre acima referenciado, percorrido quase
na totalidade na Freguesia de Almagreira, o qual inclui uma proposta de “Rota
da Cal”, que aqui deixo às entidades competentes, disponibilizando a
colaboração do Clube dos Amigos e Defensores do Património-Cultural de Sta
Maria.
A primeira parte do percurso coincidiu com o Trilho da Costa Sul, desde
Vila do Porto até ao Touril, sendo a segunda parte totalmente nova com a
derivação para o lugar do Brasil, prosseguingo-se por trilhos antigos, redescobertos
pelo CADEP-CN, nos lugares da Carreira, Vale do Moinho da Rocha, terminando-se
na Graça.
Forno de cal do Touril |
Para além dos singulares fósseis e “pillow lavas”, neste P.Pedestre foi
dado um enfoque especial ao “Roteiro da
Cal”, tendo o guia explicado a sua exploração desde a extração do calcário nas grutas do Figueiral,
até ao seu “cozimento” e transformação nos três fornos de cal visitados no
decorrer do itinerário (fornos do Figueiral, do Touril e da Graça), todos eles
com muances arquitetónicas interessantes.
Outros pontos de interesse apresentados/explicados pelo guia foram a Zona
Histórica de Vila do Porto, Forte de S.Brás, Ribeira de S.Francisco, Vista do
Povoado de V.Porto, Pedreira do Campo, Grutas do Figueiral, Prainha (Pillow lavas, fósseis), plantas endémicas
e medicinais, avifauna, panorâmicas do litoral da Costa Sul, Carreira e Vale do
Moinho da Rocha, com a Ribeira, casas rurais e chafariz.
Informações
sobre o P.Pedestre:
Conceção: CADEP-CN, em 1999/2000,e nova nuance em
janeiro de 2014
José Lima-último habitante do Moinho da Rocha |
Denominação não oficial: “Vila do Porto-Figueiral-Carreira-Moinho
da Rocha-Graça”.
Distância: 7 km , aproximadamente
Duração: 3h 30m, aproximadamente
Relevo:Terreno com ondulações suaves e alguns
declives mais acentuados
Grau de dificuldade: Médio
Áreas especiais: Monumento Natural da Pedreira do Campo,
Figueiral e Prainha
Os pedestrianistas deliciaram-se com as novidades introduzidas neste
P.Pedestre, nomeadamente com a visitação mais aprofundada dos fornos de cal e a
bonita paisagem do pitoresco vale do Moinho da Rocha, merecendo grande
apreciação a sua magnífica ribeira, as casas rurais e o seu chafariz,
recentemente pintado de novo pela Junta de Freguesia de Almagreira.
A EXPLORAÇÃO DO CALCÁRIO E A “ROTA DA CAL”
A extração do calcário, para transformação em cal e posterior uso na
“caiação” das casas fazia-se essencialmente na Ponta das Salinas em Sto
Espírito e, de forma mais intensiva, no Figueiral, em Almagreira, havendo aqui
diversas grutas, ao longo da Costa sul.
É precisamente na visitação destas grutas que propomos o começo da “Rota da Cal” de Almagreira,
começando-se com a explicação do processo mecânico de soltar os blocos calcareníticos (força
muscular, barras e cunhas de ferro ), assim como da génese da sua formação geológica
e composição.
Grutas do Figueiral, onde se extraia o calcário |
Sobre estas grutas refere Gaspar Fructuoso, que “Na rocha dura, se tira pedra de
que se faz muita cal na terra, a qual não há em nenhuma das outras ilhas dos
Açores (...). Tiram-se dali, na mesma pedreira, pedras de mós, de mármore, e
entre algumas destas pedras se acham pegadas cascas de mariscos, e ameijoas e
ostras...”.
O calcário mariense, resultante de rochas sedimentares com idades que podem
superar 5 MA, é de facto singular no
contexto açoriano, tratando-se, na
realidade de material carbonatado e bioclástico, contendo milhares de fósseis
de diversas espécies (algumas já extintas), que tem merecido a atenção de
aturados estudos científicos.
As pedras de calcário, cuja extração destas
grutas presenciei, até ao início da década de 70, com o acompanhamento
do meu tio Manuel Leandres Bairos, e dos Senhores António Araújo e José Fontes,
eram transportadas nos “seirões de vimes” colocados no dorso dos cavalos e
burros, até aos lugares do Touril e Carreira. Ficavam aí amontoadas até atingir
volume suficiente duas ou três “fornadas”, para depois se fazer o transporte
das mesmas, em carros de bois, até aos lugares dos fornos de cal, derivando
desse processo a denominação toponímica do lugar da “Carreira”.
Interior do Forno de cal da Graça |
Algumas destas pedras eram sujeitas ao “cozimento” no forno do Figueiral e
do Touril (aqui já não me lembro) e nos fornos do Monteiro, Graça e Farroupo.
Este último era pertença do Senhor Antonino de Jorge, para quem trabalhei em
criança, nomeadamente no transporte de calcário, cozimento e posterior
“peneiramento” da cal.
Na preparação do processo de “cozimento” do calcário, exigia mãos hábeis,
como as do meu tio Manuel Leandres, na construção de uma parede com as pedras a
encostar ao contorno circular do forno, até acima da sua metade, fechando-se a mesma
em cúpula ovóide, com um fecho ternimal (fechal) semi-aberto, a “modes” de sair
o fumo, como dizia o meu familiar. Depois de efetivada esta estrutura, era
enfiar lenha pela porta do forno, em abundância, e deixá-la queimar durante
três dias e três noites ininterruptamente, a fim da pedra “ficar mais macia e
quebradiça”, no dizer de Manuel Leandres.
Pelo volume de madeira necessário a este processo, depreende-se a
preferência da localização do fornos de cal, na proximidade de matas.
No dia seguinte, após o arrefecimento das pedras, operava-se o seu desmonte
do interior do forno, e transportavam-nas para um lugar resguardado da chuva
(palheiros). Aqui alguma dela era peneirada, para quem a preferia comparar em
pó e outra era vendida mesmo em pedra, que depois de “derregada” em água servia
para caiar de alvo as belas casas rurais marienses, utilizando-se como “pincel”
o bracéu-da-rocha (Festuca Petraea).
Pedra de calcário, a partir da qual se fazia a cal |
Como nos diz Jaime de Figueiredo, no livro “Ilha de Gonçalo Velho”, “a
casa rural mariense é pequena, de linhas simples, de andar térreo, embora muito
caiada e airosa”, tendo havido mesmo uma postura antida que obrigava os
marienses a caiarem as suas casas de branco, para as tornar mais belas, fazendo
valer a existência de cal na ilha.” Tal desiderato também, defendo,
atualmente, para Sta Maria, através de posturas municipais (incorporadas ou não
no necessário Plano de Salvaguarda da Casa Rural Mariense), pois já vemos
muitas aberrações de casas pintadas de outras cores, o que atenta contra o
património e agride a magnânime paisagem rural mariense.
Voltando à cal, ressalte-se, ainda que ela constituiu uma importante fonte
de receita para o Município da ilha, tendo sido exportados muito moios dela
para as outras ilhas dos Açores, nomeadamente para S.Miguel.
“Lá vai o Sto António
Mais a Senhora da Guia
Levar para S.Miguel
Barro e cal de Sta Maria”.
A “Rota da Cal”, é um desafio
que lançamos à Câmara Municipal e particularmente à junta de Freguesia de
Almagreira, para a levar adiante, com a nossa colaboração na conceção e textos,
devendo começar-se com a urgente recuperação dos Fornos de cal, que se degradam
de ano para ano. Para além do valor intrínseco da manutenção valorização do
nosso matrimónio e preservação da memória coletiva do nosso povo, a
atratividade turística de Sta Maria está
naquilo que tem de original, de único e diferente, sendo o processo associado à
exploração e utilização da cal, uma dessas importyantes diferenças.
Descanso junto ao chafariz do Moinho da Rocha |
Termino, agradecendo à Junta de Freguesia de Almagreira , pela importante
atenção e valorização patrimonial que deu ao Chafariz do Moinho da rocha, que
já não era pintado há longos anos, assim como pela limpeza do trilho que
atravessa aquele vale, para que os pedestrianistas transitassem com mais
facilidade.
Um enaltecimento e
agradecimento especiais à participação
do simpático grupo pedestrianista, tendo o bom humor a gentileza, o são
convívio e o vivo interesse pelas explicações do guia sido constantes.
Estas atividades pedestrianistas,
de fruição patrimonial e promoção da saúde estão inseridas na Campanha Bandeira
Azul da Europa, para as zonas balneares de Sta Maria, à ligação parceira do
CADEP-CN com o Parque Natural de Ilha e, ainda, ao Projeto de Saúde Escolar e
Comunitária.
* José Andrade Melo
CADEP-CN e Amigos dos Açores Sta Maria
Coordenador do Núcleo de Pedestrianismo e
Ambiente do Gonçalo Velho
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