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10 de fevereiro de 2014

P.PEDESTRE RENOVADO “V.PORTO-FIGUEIRAL- MOINHO DA ROCHA-GRAÇA” E “ROTA DA CAL”

o grupo de pedestrianistas participantes
No cumprimento do Projeto:”Pedestrianismo e Ambiente de Mãos Dadas”, e numa organização conjunta do NPA do Gonçalo Velho, do CADEP-CN e Amigos dos Açores Sta Maria, foi testado o Percurso Pedestre acima referenciado, percorrido quase na totalidade na Freguesia de Almagreira, o qual inclui uma proposta de “Rota da Cal”, que aqui deixo às entidades competentes, disponibilizando a colaboração do Clube dos Amigos e Defensores do Património-Cultural de Sta Maria.

A primeira parte do percurso coincidiu com o Trilho da Costa Sul, desde Vila do Porto até ao Touril, sendo a segunda parte totalmente nova com a derivação para o lugar do Brasil, prosseguingo-se por trilhos antigos, redescobertos pelo CADEP-CN, nos lugares da Carreira, Vale do Moinho da Rocha, terminando-se na Graça.

Forno de cal do Touril
Para além dos singulares fósseis e “pillow lavas”, neste P.Pedestre foi dado um enfoque especial ao “Roteiro da Cal”, tendo o guia explicado a sua exploração desde a  extração do calcário nas grutas do Figueiral, até ao seu “cozimento” e transformação nos três fornos de cal visitados no decorrer do itinerário (fornos do Figueiral, do Touril e da Graça), todos eles com muances arquitetónicas interessantes.

Outros pontos de interesse apresentados/explicados pelo guia foram a Zona Histórica de Vila do Porto, Forte de S.Brás, Ribeira de S.Francisco, Vista do Povoado de V.Porto, Pedreira do Campo, Grutas do Figueiral, Prainha (Pillow lavas, fósseis), plantas endémicas e medicinais, avifauna, panorâmicas do litoral da Costa Sul, Carreira e Vale do Moinho da Rocha, com a Ribeira, casas rurais e chafariz.

Informações sobre o P.Pedestre:

Conceção: CADEP-CN, em 1999/2000,e nova nuance em janeiro de 2014
José Lima-último habitante
do Moinho da Rocha
Denominação não oficial: “Vila do Porto-Figueiral-Carreira-Moinho da Rocha-Graça”.
Distância: 7 km, aproximadamente
Duração: 3h 30m, aproximadamente
Relevo:Terreno com ondulações suaves e alguns declives mais acentuados
Grau de dificuldade: Médio
Áreas especiais: Monumento Natural da Pedreira do Campo, Figueiral e Prainha

Os pedestrianistas deliciaram-se com as novidades introduzidas neste P.Pedestre, nomeadamente com a visitação mais aprofundada dos fornos de cal e a bonita paisagem do pitoresco vale do Moinho da Rocha, merecendo grande apreciação a sua magnífica ribeira, as casas rurais e o seu chafariz, recentemente pintado de novo pela Junta de Freguesia de Almagreira.


A EXPLORAÇÃO DO CALCÁRIO E A “ROTA DA CAL”

A extração do calcário, para transformação em cal e posterior uso na “caiação” das casas fazia-se essencialmente na Ponta das Salinas em Sto Espírito e, de forma mais intensiva, no Figueiral, em Almagreira, havendo aqui diversas grutas, ao longo da Costa sul.

É precisamente na visitação destas grutas que propomos o começo da “Rota da Cal” de Almagreira, começando-se com a explicação do processo mecânico  de soltar os blocos calcareníticos (força muscular, barras e cunhas de ferro ),  assim como da génese da sua formação geológica e composição.

Grutas do Figueiral, onde se extraia o calcário
Sobre estas grutas refere Gaspar Fructuoso, que “Na rocha dura, se tira pedra de que se faz muita cal na terra, a qual não há em nenhuma das outras ilhas dos Açores (...). Tiram-se dali, na mesma pedreira, pedras de mós, de mármore, e entre algumas destas pedras se acham pegadas cascas de mariscos, e ameijoas e ostras...”.

O calcário mariense, resultante de rochas sedimentares com idades que podem superar 5 MA,  é de facto singular no contexto açoriano,  tratando-se, na realidade de material carbonatado e bioclástico, contendo milhares de fósseis de diversas espécies (algumas já extintas), que tem merecido a atenção de aturados estudos científicos.

As pedras de calcário, cuja extração destas  grutas presenciei, até ao início da década de 70, com o acompanhamento do meu tio Manuel Leandres Bairos, e dos Senhores António Araújo e José Fontes, eram transportadas nos “seirões de vimes” colocados no dorso dos cavalos e burros, até aos lugares do Touril e Carreira. Ficavam aí amontoadas até atingir volume suficiente duas ou três “fornadas”, para depois se fazer o transporte das mesmas, em carros de bois, até aos lugares dos fornos de cal, derivando desse processo a denominação toponímica do lugar da “Carreira”.

Interior do Forno de cal da Graça
Algumas destas pedras eram sujeitas ao “cozimento” no forno do Figueiral e do Touril (aqui já não me lembro) e nos fornos do Monteiro, Graça e Farroupo. Este último era pertença do Senhor Antonino de Jorge, para quem trabalhei em criança, nomeadamente no transporte de calcário, cozimento e posterior “peneiramento” da cal.

Na preparação do processo de “cozimento” do calcário, exigia mãos hábeis, como as do meu tio Manuel Leandres, na construção de uma parede com as pedras a encostar ao contorno circular do forno, até acima da sua metade, fechando-se a mesma em cúpula ovóide, com um fecho ternimal (fechal) semi-aberto, a “modes” de sair o fumo, como dizia o meu familiar. Depois de efetivada esta estrutura, era enfiar lenha pela porta do forno, em abundância, e deixá-la queimar durante três dias e três noites ininterruptamente, a fim da pedra “ficar mais macia e quebradiça”, no dizer de Manuel Leandres.

Pelo volume de madeira necessário a este processo, depreende-se a preferência da localização do fornos de cal, na proximidade de matas.

No dia seguinte, após o arrefecimento das pedras, operava-se o seu desmonte do interior do forno, e transportavam-nas para um lugar resguardado da chuva (palheiros). Aqui alguma dela era peneirada, para quem a preferia comparar em pó e outra era vendida mesmo em pedra, que depois de “derregada” em água servia para caiar de alvo as belas casas rurais marienses, utilizando-se como “pincel” o bracéu-da-rocha (Festuca Petraea).


Pedra de calcário, a partir da qual se fazia a cal
Como nos diz Jaime de Figueiredo, no livro “Ilha de Gonçalo Velho”, “a casa rural mariense é pequena, de linhas simples, de andar térreo, embora muito caiada e airosa”, tendo havido mesmo uma postura antida que obrigava os marienses a caiarem as suas casas de branco, para as tornar mais belas, fazendo valer a existência de cal na ilha.” Tal desiderato também, defendo, atualmente, para Sta Maria, através de posturas municipais (incorporadas ou não no necessário Plano de Salvaguarda da Casa Rural Mariense), pois já vemos muitas aberrações de casas pintadas de outras cores, o que atenta contra o património e agride a magnânime paisagem rural mariense.

Voltando à cal, ressalte-se, ainda que ela constituiu uma importante fonte de receita para o Município da ilha, tendo sido exportados muito moios dela para as outras ilhas dos Açores, nomeadamente para S.Miguel.

“Lá vai o Sto António
Mais a Senhora da Guia
Levar  para S.Miguel
Barro e cal de Sta Maria”.

A “Rota da Cal”, é um desafio que lançamos à Câmara Municipal e particularmente à junta de Freguesia de Almagreira, para a levar adiante, com a nossa colaboração na conceção e textos, devendo começar-se com a urgente recuperação dos Fornos de cal, que se degradam de ano para ano. Para além do valor intrínseco da manutenção valorização do nosso matrimónio e preservação da memória coletiva do nosso povo, a atratividade  turística de Sta Maria está naquilo que tem de original, de único e diferente, sendo o processo associado à exploração e utilização da cal, uma dessas importyantes diferenças.

Descanso junto ao chafariz do Moinho da Rocha
Termino, agradecendo à Junta de Freguesia de Almagreira , pela importante atenção e valorização patrimonial que deu ao Chafariz do Moinho da rocha, que já não era pintado há longos anos, assim como pela limpeza do trilho que atravessa aquele vale, para que os pedestrianistas transitassem com mais facilidade.

Um enaltecimento e agradecimento  especiais à participação do simpático grupo pedestrianista, tendo o bom humor a gentileza, o são convívio e o vivo interesse pelas explicações do guia sido constantes.

Estas atividades pedestrianistas, de fruição patrimonial e promoção da saúde estão inseridas na Campanha Bandeira Azul da Europa, para as zonas balneares de Sta Maria, à ligação parceira do CADEP-CN com o Parque Natural de Ilha e, ainda, ao Projeto de Saúde Escolar e Comunitária.

* José Andrade Melo
   CADEP-CN e Amigos dos Açores Sta Maria
   Coordenador do Núcleo de Pedestrianismo e Ambiente do Gonçalo Velho


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