“TÁ FECHADO. TOU PRÓS
TOIROS”
Artigo de
Mariano Borges
A notícia de que os residentes no
município espanhol de Guijo de Galisteo optaram por gastar 10 000 euros em
touradas em vez de criarem empregos locais, apesar da taxa de desemprego ser da
ordem dos 31%, publicada no jornal britânico The Guardian, no passado dia 4 de
Junho, terá apanhado várias pessoas de surpresa, o que não foi o meu caso.
Com efeito, tenho refletido muito
sobre a indústria do lazer e lido, também, muito sobre a história da
tauromaquia, tanto a nível nacional como a nível da ilha Terceira, e já havia
chegado à conclusão de que séculos de habituação e de deseducação fomentados
pelos detentores do poder político, económico e religioso levaram à alienação
dos cidadãos que preferem viver das migalhas do Rendimento Social de Inserção,
das ajudas do Banco Alimentar ou de outra qualquer instituição de solidariedade
social do que ter um trabalho devidamente remunerado.
Vivi vários anos na ilha
Terceira, na década de oitenta do século passado, e no meu local de trabalho
verifiquei que nos dias de tourada à corda, havia funcionários que andavam com
a “cabeça no ar” e que, ou não eram capazes de estar no trabalho um minuto a
mais, ou saiam mais cedo, não cumprindo o horário de trabalho estabelecido.
Ainda por estes dias, vi em
montras de estabelecimentos comerciais a indicação de que estavam encerrados
pois havia tourada nesta ou naquela localidade. Quando se diz que a tourada
fomenta a economia, mais propriamente o comércio, o exemplo referido só mostra
que beneficia algum em detrimento de outro.
Além disso, gostaria de saber
como pode sobreviver a economia de uma região se se basear na venda de favas
importadas da Cochinchina, amendoins da China, cerveja do continente português,
batatas de Espanha ou de outro país qualquer?
Já agora, que bens são produzidos
pelas touradas que possam ser exportados?
Os “afamados” vídeos com as
marradas, que são um bom exemplo de deseducação e de despromoção turística ou
as garrafas de cerveja que são recolhidas e que voltam à origem para serem
recicladas?
A situação que se vive hoje é reflexo do que
se viveu no passado e prova que na questão do bem-estar animal ou dos direitos
dos animais muito pouco se avançou, embora as touradas à corda sejam menos
violentas, porque os homens ditos “cultos” ou as chamadas “elites” não tiveram
nem têm qualquer interesse.
Termino este texto, divulgando o
que escreveu, no século XIX, um continental que visitou a ilha Terceira e que
ficou horrorizado com o que viu, numa tourada à corda, no Pico da Urze.
Aqui ficam alguns extratos:
“Imagine-se um boi preso pela
cabeça por uma grossa e pesada corda, a cuja extremidade pegam quatro valentes
homens, que, na ocasião do animal ir esticando a corda, a puxam com tal
violência que o animal cai, algumas vezes embrulhado na corda pelos pés e
mãos!”
….
“Vi aqueles animais, vítimas da
ferocidade do delirante momento, espumando sangue pela boca e pelas ventas,
arfando continuamente do cansaço, moídos de pancadas e de mil torturas!
Quando o animal enfraquece, e que
todos podem impunemente espicaçá-lo com os varapaus, ficando como o leão da
fábula, o entusiasmo sobe de ponto, redobram as torturas, e estou certo que os
corações dos espetadores se expandiriam em alegria se porventura o vissem
sucumbir”
…
In: “Açores Melhores
sem Maus Tratos aos Animais”
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